Discussão
Em 1913, Lipschütz descreveu uma entidade clínica aguda caracterizada pelo súbito aparecimento de ulcerações genitais necróticas dolorosas, febre e linfadenopatia que ocorreram principalmente em adolescentes e meninas virgens.1-3
Este quadro clínico característico também é chamado de úlceras vulvares agudas e úlceras vulvares acutum.4
LU parece ser uma entidade rara, pois há poucos casos relatados na literatura médica, mas sua verdadeira incidência é difícil de ser conhecida, pois muitos casos são mal diagnosticados com outras causas mais freqüentes de úlceras genitais.15
Desde a primeira descrição, várias etiologias têm sido discutidas. Os patógenos virais podem causar úlceras. A taxa relatada de EBV associada à AGU parece estar em torno de 30%.6 Outros agentes patológicos foram encontrados associados a episódios de AGU, incluindo CMV, febre paratifóide, influenza A, Toxoplasma gondii e Mycoplasma.1-478 Chanal et al5 também relataram um caso de AGU associada à papeira. O mecanismo fisiopatológico da úlcera nestes casos é desconhecido. Tem sido sugerido um efeito citotóxico direto, um papel dos linfócitos B infectados por EBV ou um processo reativo tipicamente desencadeado por uma infecção distante.14
AGU presentes como úlceras simples ou múltiplas, rasas, com bordas levantadas e marcadas acentuadamente. Muitas têm um exsudado cinzento sobrejacente ou uma escara cinzento-acastanhada aderente. O eritema secundário e o edema podem ser impressionantes. Tipicamente, as úlceras ocorrem nos aspectos mediais dos pequenos lábios, mas também se encontram nos grandes lábios, no períneo e na vagina inferior. As úlceras de “beijo” em superfícies opostas são comuns. O tamanho varia e lesões maiores que 1 cm foram descritas.48 Muitos pacientes também podem apresentar mal-estar, febre, astenia, mialgia, dor de cabeça, faringite ou amigdalite e linfadenopatia.1-4
AGU pode ser gangrenosa, crônica ou miliar. As úlceras vulvares gangrenosas são a forma mais comum e são úlceras dolorosas com uma crosta cinzenta-amarelada. A forma crónica apresenta-se como uma úlcera recidivante, minada e com edema marcado. As úlceras vulvares miliares são úlceras purulentas, fibrinosas, do tamanho de uma cabeça de alfinete com bordas inflamatórias.39
O diagnóstico desta entidade é feito por exclusão, às vezes de forma retrospectiva. As mulheres com AGU requerem uma avaliação abrangente. O trabalho deve começar com uma história sexual sensível, que é realizada de forma confidencial e inclui perguntas sobre atividade sexual e abuso potencial. A revisão dos sistemas deve incluir consultas para descobrir outras doenças sistêmicas, com especial atenção aos sintomas oculares, neurológicos, gastrointestinais e geniturinários. O clínico deve realizar um exame físico completo procurando lesões orais e cutâneas.4 A avaliação laboratorial deve sempre incluir um hemograma completo, teste serológico para sífilis, EBV, HIV e ensaios de PCR para HSV, cultura bacteriana e cultura viral ou PCR da lesão.2-4 Algumas vezes, a biópsia da pele de uma borda da úlcera pode ser necessária para descartar outras condições, mas o exame histológico não tem valor diagnóstico porque os achados não são específicos: há edema superficial e capilares dilatados com infiltração e ulceração neutrofílica.14910
Quando os testes diagnósticos são negativos, o paciente se encaixa nos critérios clínicos para LU.
O diagnóstico diferencial é amplo e inclui infecções, doenças de transmissão sexual e não sexual, doenças sistêmicas, malignidades e reações medicamentosas (ver tabela 1). A doença de Behçet e a afótese vulvar (simples e complexa) são outras condições que devem ser incluídas no diagnóstico diferencial. A doença de Behçet inclui ulceração oral e genital recorrente com sintomas multiorgânicos (eritema nodoso, uveíte, vasculite, artrite, etc.). O termo “afótese complexa” descreve pacientes que têm úlceras orais e genitais recorrentes, mas que não satisfazem os critérios de diagnóstico da doença de Behçet. Afótese simples refere-se apenas às úlceras vulvares recorrentes. Tem sido sugerido que a aftose oral e genital pode estar num espectro de doenças que vai desde a aftose simples até à aftose complexa e à doença de Behçet.4910 O acompanhamento destes pacientes é essencial para excluir a progressão para a doença sistémica.4
Quadro 1
Diagnóstico diferencial de úlceras genitais agudas em um adolescente
Infecção | |
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Sexualmente transmitido | Vírus herpes simplex |
Sífilis | |
Linfogranuloma venereum | |
Chancroide | |
HIV | |
Não-sexualmente transmitido | Herpes simplex virus |
Epstein-Barr virus | |
Cytomegalovirus | |
Influenza A | |
Paratyphoid | |
Doença sistémica | Doença de Crohn |
Nutropenia cíclica | |
Síndrome de PFAPA (febre periódica, estomatite afta, faringite, adenite) | |
Síndrome de MAGIC (úlceras da boca e genital com cartilagem inflamada) | |
Iron, folato, deficiência de vitamina B12 | |
Doença de Behçet | |
Pênfigo e pênfigoide | |
Fótese simples e complexa | |
Hormônio…relacionados | Dermatite autoimune da progesterona |
Hipersensibilidade ao estrogénio | |
Reacção adrenalina | Antiesistência não esteróidedrogas inflamatórias |
Dermatite por contacto ou irritante | |
Malignidade | Linfoma/leucemia |
Trauma | Corpos estrangeiros |
Lesão sexual | |
Queimaduras cáusticas |
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Os objectivos do tratamento são os de proporcionar alívio da dor, melhorar a cura e prevenir cicatrizes. O tratamento empírico inclui banhos de Sitz, anestesia tópica e corticosteróides tópicos. Se o paciente tiver dores graves ou mal-estar, a hospitalização está indicada. Devem ser considerados antibióticos de largo espectro para cobrir a flora cutânea. O uso de corticóides sistêmicos é indicado se o paciente não responder aos agentes tópicos.1-579
A condição é autolimitada e a cicatrização ocorre espontaneamente, geralmente em 2 semanas.23
Pontos de aprendizagem
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Os médicos devem ter em mente esta entidade para evitar diagnósticos errados, especialmente com úlceras infecciosas, e tratamentos sem qualquer benefício.
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Quando é feito o diagnóstico de úlcera genital aguda (AGU), os pacientes e suas famílias devem ser tranquilizados, pois os AGU não são sexualmente transmitidos e cicatrizam espontaneamente, sem sequelas.
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O acompanhamento destes pacientes seria necessário para excluir a doença de Behçet precoce.