Lições aprendidas após 20 anos de experiência com fratura peniana

DISCUSSÃO

Embora a PF seja uma lesão urológica incomum, sua incidência é provavelmente subestimada, uma vez que os pacientes podem não procurar tratamento médico em salas de emergência devido ao constrangimento. Este fato, combinado com o mau sistema público de saúde no Brasil, pode explicar o longo lapso de tempo observado neste estudo entre a ocorrência do trauma e a admissão hospitalar, que variou de 2 a 504 horas (média de 18,5 horas). Mesmo com o atraso do tratamento de 21 dias, não identificamos diferença estatística entre o tempo de correção da FP e complicações como DE ou taxas de curvatura peniana.

Existem várias causas de FP descritas na literatura em diferentes regiões do mundo. A etiologia mais comum nos países ocidentais é a relação sexual (4, 7). Nos países orientais, há uma maior incidência de casos associados à manipulação peniana devido à prática do “thagaandan” em que os pacientes dobram a porção distal da diáfise peniana enquanto mantêm a parte proximal no lugar para alcançar a detumescência forçada (2). Outras práticas, tais como masturbação, queda sobre um pênis erecto e rolar na cama também foram relatadas como causas em estudos anteriores (8). El Atat et al. (9) descreveram sua experiência com 300 casos de fraturas penianas e a etiologia foi masturbação em 180 casos (60%), rolagem na cama em 63 casos (21%), e relações sexuais em 57 casos (19%). Em nosso estudo, observamos que a atividade sexual foi o mecanismo de trauma mais comum, representado principalmente pelas relações sexuais (88,5%). Como observado em artigo anterior de nosso grupo, as posições “estilo cãozinho” e “homem no topo” mostraram mais associações com lesões graves, como fraturas bilaterais do corpus cavernosum e lesões uretrais (10).

PF é mais comum em indivíduos mais jovens, com idades médias principalmente na quarta década (7,11). Em nossa série, a idade do paciente variou de 18 a 69 anos (média de 38,2 anos).

A recorrência da FP é ainda mais rara, com poucos casos descritos na literatura internacional (12). Encontramos apenas três (1%) pacientes com refratariedade. Todos apresentaram o segundo episódio com lesão no mesmo ponto da correção primária, mas o envolvimento contralateral foi observado apenas em um caso.

Para a maioria dos autores, o diagnóstico de FP é eminentemente clínico, não havendo necessidade de testes adicionais, uma vez que há uma apresentação clínica típica. A tríade típica de hematoma, detumescência e som de snapping é um achado diagnóstico chave na avaliação inicial desses pacientes. De acordo com Zargooshi (2), considerando a excelente precisão do diagnóstico clínico, não há necessidade de nenhum teste diagnóstico auxiliar. Dos 362 pacientes operados, 352 foram comprovados intra-operatoriamente com PF e 10 tiveram apenas lesão venosa peniana. O diagnóstico de PF nesses 10 casos foi feito por nossos residentes juniores, que operaram eles mesmos os pacientes. Em estudo conduzido por Koifman et al. (4), os autores introduziram o conceito de trauma peniano com baixa suspeita de PF na avaliação de casos duvidosos. Este novo conceito descreve pacientes com traumatismo rombo do pênis erecto e sem dor ou detumescência peniana imediata após o evento traumático, presença de hematoma leve a moderado; e resultados do exame físico, incluindo palpação dos corpos cavernosos não lesionados. Uma metanálise recente revela que 31 autores não utilizaram imagens, 22 autores utilizaram várias modalidades de imagem para confirmar o diagnóstico: USG, cavernografia, RGU e ressonância magnética (13). Em nosso estudo, todos os pacientes apresentaram hematoma peniano na admissão, associado a detumescência em 82,6% dos casos e som de snapping em 76,3%. Apenas 6,6% dos casos duvidosos foram submetidos a USG e 0,7% a RM do pênis (Figura-4). A RGU pode apresentar resultados falsos-negativos em até 28,5% dos casos (14). Embora a UGR tenha sido realizada em 25 dos nossos casos, acreditamos que o exame complementar não é necessário nos casos de suspeita de lesão uretral em que a técnica de desdém peniano proporciona excelente exposição da uretra e do corpus cavernosum em toda a sua extensão. As lesões uretrais são facilmente detectadas no período intra-operatório. Prova disso é que nos últimos 13 pacientes, a UGR foi realizada em apenas um caso.

Figure 4 Paciente com quadro clínico duvidoso de FP submetido à RM do pênis demonstrando ruptura da base do corpo cavernoso direito com hematoma moderado em imagens axiais e sagitais (A+B). Ultra-som demonstrando ruptura da base do corpo cavernoso direito com hematoma leve em outro paciente com quadro clínico duvidoso de PF (C).

Embora de acordo com a maioria das séries o diagnóstico de FP seja feito apenas por achados clínicos, o USG pode ser usado para confirmar o diagnóstico e localizar o local da ruptura da albugínea e excluir a presença de lesão uretral.

Isso permite o acesso ao ponto exato da lesão através de uma pequena incisão cutânea, evitando as complicações da desoxidação e da pós-correção (15) Mazaris (16), apresentou sua experiência com a correção cirúrgica imediata de oito pacientes com PF, utilizando uma incisão ventral na linha média do pênis. Em seis pacientes o diagnóstico foi confirmado pelo USG. Segundo os autores, esta abordagem alcança bons resultados precoces e tardios, tem a vantagem de acesso direto aos corpos cavernosos e à uretra anterior, com uma incisão cutânea mínima. Mais recentemente, Mao (17), descreveu um estudo com 46 casos de PF tratados com incisão circular proximal coronal em 16 e incisão longitudinal local nos outros 30, de acordo com a localização da ruptura no USG. Catorze dos 16 casos de incisão circular deglovante apresentaram edema prepúcio pós-operatório de curta duração, mas não foram observadas complicações pós-operatórias em nenhum dos casos de incisão local. Os autores concluíram que a incisão longitudinal local é suficiente para reparar a túnica albugínea, sem afetar o suprimento de sangue ou refluxo linfático, com baixo índice de complicações. No entanto, defendem a desoxidação quando lesões bilaterais dos corpos cavernosos e uretrais estão presentes. A incisão sub-coronal circular e o desengorduramento do pênis com postectomia em pacientes incircuncisos foi a técnica padronizada em nosso estudo. Encontramos necrose cutânea pós-operatória em dois de 288 casos, representando apenas 0,6% do total da nossa amostra.

A presença de lesão uretral associada à FP foi relatada como 3-38% (18). Geralmente está associada a trauma de alta energia, resultando em envolvimento bilateral de corpos cavernosos. El-Ass-my et al. (19) relataram 14 casos de lesão uretral e todas as lesões foram localizadas no mesmo nível do corpus cavernosum, que foram parciais em 11 casos e completas em três. Todos os pacientes apresentaram fluxo urinário normal, exceto um, que desenvolveu estreitamento uretral relativo que necessitou de dilatação regular por um mês. AAmong 312 casos de PF, Derouiche et al. (20) realizaram um estudo retrospectivo de uma série de 10 casos de lesão uretral onde não foi notado nenhum estreitamento uretral após a reconstrução.

Em nosso estudo, foram observadas lesões uretrais em 18,7% dos casos, incluindo 39 (13,5%) lesões parciais e 15 (5,2%) lesões totais. A ruptura completa da uretra foi associada com lesão bilateral no corpus cavernosum em todos os casos. Apenas dois (3,7%) pacientes tiveram complicações após a reconstrução uretral (fístula uretro-cutânea e abscesso subcutâneo adjacente à área da anastomose).

O tratamento cirúrgico da FP pode levar a várias complicações sexuais a longo prazo. Zargooshi (2) avaliou 352 pacientes operados com PF, e oito tinham queixas sexuais no acompanhamento, incluindo ejaculação precoce, DE, distúrbio do hipodesire, ansiedade, depressão e conflito conjugal. El Atat et al. (9) descreveram sua experiência com 300 casos de PF e observaram complicações em 40 pacientes (13,3%), dos quais 14 (23,3%) desenvolveram curvatura peniana, 10 tinham nódulos penianos (3,34) e dois sofriam de disfunção erétil (0,6%). Em nosso estudo, dos 61 pacientes que participaram do seguimento de pelo menos seis meses, nove (14,7%) desenvolveram DE e oito (13,1%) tiveram curvatura peniana.

Algumas limitações deste estudo devem ser mencionadas: Os dados são limitados pela natureza retrospectiva do estudo, mas, para nosso conhecimento, esta é a quarta maior série de casos publicada na literatura.