Este post é o quinto de uma série – 12 para 2012 – que além do básico está rodando sobre tópicos chave de mercados emergentes para o próximo ano.
Por Marcos Troyjo da Columbia University
Como o terceiro trimestre de 2011 trouxe uma pausa no longo período de crescimento recente do Brasil, muitos têm se perguntado: esta é uma contração temporária ou o Brasil está enfrentando uma parada mais preocupante, em linha com seu padrão histórico de boom e buscas?
Mais do que tudo, a desaceleração do Brasil é um sinal de que a cautela em relação à crise da zona do euro é sentida em todos os trimestres. O país respira fundo, mas vai continuar o seu crescimento interno, liderado pelo mercado. Dadas as razões pelas quais o Brasil está crescendo, no entanto, isso pode não deixar muito a comemorar no futuro.
O crescimento nos últimos oito anos é resultado da confluência benigna da competência do Brasil em biocombustíveis, bancos, mineração, petróleo offshore e, especialmente, os benefícios esperados de suas vastas reservas de águas profundas “pré-sal”. O Brasil produzirá mais de 6 milhões de barris de petróleo bruto por dia até 2020. Para alcançar essa meta, a Petrobras planeja gastar mais de US$ 1tn nos próximos anos em projetos do pré-sal.
Os gastos anuais de capital da empresa de US$ 45bn excedem de longe o orçamento anual da NASA no auge da Corrida Espacial (em dólares correntes). A Petrobras também é a principal força por trás do remaking da indústria naval brasileira. De 2012 a 2022, a empresa vai comprar mais de 250 grandes petroleiros a um preço médio de 125 milhões de dólares cada – e 65% dos seus componentes têm de ser “Made in Brazil”.
Isso diz muito sobre o modelo de crescimento do país. O Brasil contemporâneo está vendo o renascimento silencioso das políticas formuladas por Raul Prebisch (1901-1986), economista argentino, e Celso Furtado (1920-2004), o principal defensor da Teoria da Dependência no Brasil. Podemos chamar esta renascença de “Industrialização de Substituição de Importação 2.0″ ou ISI 2.0.
Desde o início dos anos 50, o Brasil usou a substituição de importações para mudar o DNA de um país historicamente ligado à agricultura e à mineração. Seus períodos mais espetaculares de crescimento no século XX – os “50 Anos em 5” (1956-61) e o “Milagre Brasileiro” (1967-73) do Presidente Juscelino Kubitschek – foram em grande parte o resultado do ISI. Ele produziu taxas de crescimento anual superiores a 10 por cento e de fato converteu o Brasil em uma grande economia industrial voltada para um mercado doméstico vibrante. Entretanto, políticas cambiais inarticuladas, falta de integração industrial vertical e conjunturas internacionais desfavoráveis fizeram da inflação e da dívida externa as “irmãs gêmeas” do ISI.
ISI 2.0 podem ser facilmente identificadas na forma como empresas estatais, bancos oficiais, municípios, estados e o Governo Federal interpretam e implementam os interesses do Brasil na economia global. Hoje, o ISI 2.0 é o parâmetro de como o governo no Brasil protege as empresas nacionais da concorrência estrangeira, fomenta o conteúdo local e realiza compras.
Prebisch e Furtado – ainda patronos do BNDES e dos departamentos econômicos em Brasília – argumentaram que apenas os países que realizam a industrialização indígena maciça poderiam se tornar “centros cíclicos” da economia global e, portanto, desencadear endogenamente seu próprio desenvolvimento.
O ISI 2.0 do presente dia tem duas faces. Continua a aplicar altas taxas de importação e outras barreiras para proteger grupos nacionais e fomentar as prioridades industriais escolhidas pelo Brasil (semicondutores, software, eletrônica, automóveis e outros). Como a moeda do país está claramente sobrevalorizada, seu déficit comercial em bens manufaturados seria ainda maior se não fosse pelos escudos tarifários – que contribuem para os preços ultrajantes pagos pelos consumidores brasileiros por muitos bens estrangeiros.
Tal como seu protótipo dos anos 50, a ISI 2.0 é claramente “nacionalista”. No entanto, ele atualiza o conceito de “nacionalismo econômico”. Ao invés de apenas abrigar os empresários brasileiros, o ISI 2.0 apela para a “brasilização” das empresas que desejam aproveitar o potencial do mercado interno brasileiro. Todo um conjunto de incentivos é colocado a serviço daqueles que decidem criar empregos no Brasil. Sua ferramenta mais poderosa é a robusta política de compras governamentais que encontrou expressão nas administrações Lula-Dilma (de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de 2003 a 2010, e Dilma Rousseff, presidente desde janeiro de 2011).
O Brasil está operando sob o que poderíamos chamar de “a cobertura do pré-sal”. Segundo esta noção, os efeitos multiplicadores das novas descobertas de petróleo para aqueles que decidirem investir no Brasil serão tão grandes durante os próximos 30 anos que “ancorarão” a decisão de implantar operações de longo prazo no país. É por isso que 2011, apesar da crise global, vê o Brasil receber 65 bilhões de dólares em investimento estrangeiro direto, 5% do total mundial.
É tudo isso uma boa notícia para o Brasil? Não. Pode tornar-se um fraco desempenho entre os Brics e outros EMs, uma vez que continua a varrer para debaixo do tapete as reformas políticas, fiscais e trabalhistas urgentemente necessárias. E o ISI 2.0 do Brasil é inerentemente vulnerável. Ele depende de fluxos pesados e ininterruptos de IEDs que se espalham ao longo de muitos anos. Para que tudo isso funcione bem, o ISI 2.0 deve gerar ciclos de aprendizagem mais curtos para impulsionar ganhos de produtividade rápidos e volumosos – conspicuamente ausentes no Brasil.
A piorar a situação é o fato de que no último quarto de século o Brasil não conseguiu implementar um projeto estratégico de poder ou prosperidade. Hoje, confunde o conceito de tal projeto com o chamado “PAC” (sigla em português para Programa de Aceleração do Crescimento do Brasil, centrado na atualização da pobre infra-estrutura física do país). Bem vindo como está, o PAC não se trata de construir o futuro. É a busca pelo tempo perdido: portos, aeroportos, estradas pavimentadas – o passado alcançando o presente.
As vantagens comparativas do Brasil de hoje (bioenergia, mineração, petróleo, pré-sal e assim por diante) devem fomentar as vantagens competitivas do amanhã baseadas no conhecimento. Este será um longo caminho para um país que direciona menos de 1% de seu PIB para pesquisa e desenvolvimento.
O futuro do Brasil está em tornar suas empresas intensivas em tecnologia em vários setores. Não há nada mais estratégico para o Brasil do que o desafio de transformar seu povo criativo em uma sociedade de empreendedorismo e inovação.
Marcos Troyjo é diretor do BRICLab na Universidade de Columbia, onde ensina assuntos internacionais
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